Tragédia de Petrópolis completa dois anos: Lei sobre racismo ambiental pretende chamar a atenção sobre problema recorrente na cidade

Em 2022, a cidade teve mais de 240 mortes após grandes tempestades, em menos de um mês.
Três horas de chuva que equivaleram a previsão de todo um mês. Em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, os últimos 730 dias foram de angústia para centenas de famílias. Nesta quinta-feira (15), o silêncio ecoou como uma eterna busca por respostas de quem já vive dois anos da maior tragédia climática do município, com 235 mortes registradas e feridas que seguem abertas nos quatro cantos da cidade, que carrega a alcunha de Imperial.
Dentre as principais localidades atingidas, o Morro da Oficina no Alto da Serra, perdeu parte de sua história e teve mais de 80 casas destruídas. O episódio, que ganhou repercussão nacional, também carrega como cena emblemática dois ônibus que foram arrastados para dentro do Rio Quitandinha, que não suportou o volume de água e também fez vítimas fatais como o jovem Gabriel Villa Real.
O histórico do município revela que o problema com as chuvas já é antigo, sendo registrado pelo Imperador Dom Pedro II em 1862, quando escreveu em seu diário: “Ontem de noite houve grande enchente. Subiu três palmos acima da parte da Rua do Imperador do lado da Renânia; e um homem caiu no canal, devendo a vida a saber nadar e aos socorros que lhe prestaram”. Ou seja, passam-se anos e enquanto sobram registros de pessoas sem casas, mortas ou sem entes queridos, esgotam-se as medidas que sejam realmente efetivas na solução e mitigação dos casos que se acumulam em episódios como 1988, 2001, 2011, 2013, 2022 e não se sabe mais em quantos anos podem ocorrer.
Sonia da Cristina da Silva Furtado, moradora do bairro Manoel Torres, sentiu na pele o drama da tragédia em 1988, quando estava grávida. “Fiquei soterrada e apenas minha cabeça para fora. Quando minha filha fez três anos, descobri que era deficiente auditiva e há poucos anos, foi diagnosticado que ela está cega de um dos olhos. Em 2011, ajudei diversas vítimas com doações, estava lá prestando meu apoio as vítimas do Cuiabá. E em 2022, além de ter perdido vários amigos e conhecidos, quase fui uma vítima novamente, pois estava indo para uma consulta médica. O que me salvou foi ter positivado para Covid-19 quando cheguei ao ambulatório e precisei voltar para casa”, conta.
O sentimento de impotência, se tornou combustível para que forças se unissem na busca por respostas. Com um direcionamento sobre a necessidade de buscar políticas públicas e trazer à tona a discussão sobre o racismo ambiental e a importância da justiça climática, o Instituto Todos Juntos Ninguém Sozinho, que atuou na linha de frente com assistência às famílias com doações de alimentos, roupas e outros, ampliou as atividades e através do setor de “Advocacy”, se moveu para ir além, cobrando que ações deixem de estar apenas nos discursos e possam se materializar. Fruto disso foi a Lei N.º 8.675 de 15 de dezembro de 2023, que institui o Dia Municipal de Enfrentamento ao Racismo Ambiental no Calendário Municipal de Petrópolis, a ser celebrado pela primeira vez no dia 20 de março, quando se completam dois anos da segunda grande chuva registrada em 2022, com mais novas mortes.
“Nossa área de Advocacy trabalhou muito e conseguimos junto ao mandato da Coletiva Feminista Popular, na Câmara Municipal, provocar o reconhecimento de um problema que há anos assola a cidade, deixa centenas de vítimas fatais e desabrigados ano após ano. Um aspecto que nunca foi discutido é que a maioria dessas pessoas são pessoas negras que moram em comunidades na cidade, muitas vivendo tragédias seguidas e se deslocando sem condições dignas para novas moradias em áreas de risco. A lei traz peso para que o poder público busque soluções e políticas públicas eficazes. Desde então, não paramos com um movimento de educação ambiental, racial e climática, com foco em atingir os representantes do executivo e legislativo, movendo medidas para adaptação climática e prevenção”, explica.
Segundo o texto da Lei, a data de conscientização passa a integrar o calendário oficial de eventos do município, com a realização de atividades em prol do movimento. “Nós precisamos fazer com que o poder público olhe para nós, vítimas que sofremos com as chuvas, de forma eficiente. Quem mora em áreas periféricas, sem dúvidas, vai ser atingido de uma maneira diferente daqueles que vivem as margens do asfalto. Essas pessoas são em boa parte negras e de classe econômica pobre. Elas são quem precisam pegar o transporte público, enfrentar horas no trânsito em deslocamento, sair de um bairro e trabalhar em outro, sofrendo de forma diferente quando ocorrem esses episódios. Não dá para tratar tudo de forma única, é preciso agir com entendimento e humanização a essas pessoas. E também é preciso entender que, mesmo que a casa não caia, mas esteja em área de risco, essa pessoa também sofre como uma vítima que em boa parte dos casos, está ali pois não tem para onde ir”, pontua Pâmela.

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